sexta-feira, 13 de julho de 2012

O fio invisível

                                                                                                                            ao meu pai



O fio invisível entre os teus dedos rompe o espaço


que revela a manhã.

Os teus dedos fabricam o fato

tecem o velo da memória,

e a obra cresce do nada

como se fosse ela mesma e a vibração da sua imagem

o misterioso rio e a sua nascente,

o rosto indecifrável da vida e o olhar vigilante da morte.



Os teus dedos desvendam o interior do duro ofício,

gesto a gesto,

o alinhavo que antecede a forma,

o ombro altivo, a entretela , o botão, a gola, a dobra,

a costura minuciosa do silêncio.

E as tuas mãos desdobram-se na inquietação dos dedos,

como ramos celebrados das noites

em que dizias os versos todos

da tua vida

dos lugares ali presos nas palavras.

E as tuas mãos desfazem os gestos, rompem-nos por dentro tal como a raiz se insinua no cerne da rocha

e assim nos faz renascer do chão.







quinta-feira, 5 de julho de 2012

Os meus poetas - Paul Celan




Vinhateiros escavam o relógio das horas sombrias



cada vez mais fundo,


tu lês,


o Invisível desafia o vento,


tu lês,


os Abertos trazem a pedra atrás do olho,


ela te reconhecerá,no dia do Sabbath.


Paul Celan






os vestígios da morte dissipam-se na neve

o derradeiro passo diz-me que já não há regresso

a noite é então intensa nos meus dedos gelados

ouvimos muito perto as canções que perfuram o silêncio

e a minha mãe vigia

as palavras são a minha liberdade

o silêncio a minha condenação

se me ouvires poderei resistir

não existo só por mim mas porque me ouves

estou aqui

nu

acorrentado

perplexo

na desordem das coisas divinas



Pedro Saborino