sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Para Lorca





Cante jondo

(…) dos que morreram separa-me
um muro de sonhos maus.
Gazel da lembrança de amor , Federico Garcia Lorca


nada
enche agora este campo senão o luar
(em Agosto a lua resplandece sobre Granada)
quantos corpos mais vão cair
junto ao rio sangrento?
quantas flores celebrarão o negro olhar
fitando a morte?
quantos gritos clamarão a liberdade?
e o rio vai
levando o silêncio e a noite
como o aroma do laranjal até ao mar
verde que te quero verde
dizias
e sobre ti não passarão





Pedro Saborino

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Para Camões




Dinamene



nos sons da noite desejo-te o teu mar
desvendo-te nas coxas o meu poder
dentro de ti, navego-te, sem te saber
tão perto o fogo, tão fundo o olhar

invento-te o mistério, a dor, o despertar
do teu gemido, que no amanhecer
abre a obscura gruta, o súbito enlouquecer
da vaga insaciada, da morte devagar




Pedro Saborino

domingo, 15 de janeiro de 2012

O poder da literatura






Pela sua importância e oportunidade junto, com a devida vénia, um link para o post da Profª. Helena Damião no excelente blog De Rerum Natura.
Trata-se de uma súmula do livro Para que serve a literatura de Antoine Compagnon ( foto acima) no qual se reflecte sobre o significado da literatura na vida e na escola.



É um notável documento que me impressionou profundamente pela sua concisão e sobretudo por mostrar como a literatura é um instrumento de civilização, de saber, de liberdade e de partilha.


http://dererummundi.blogspot.com/2012/01/para-que-serve-literatura-2.html#links

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Para Fiama

Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante (…)
Fiama Hasse Pais Brandão in “ As Fábulas” ed. Quasi



nada restará de mim para além do verbo essencial
a mudança do olhar
a liturgia da paixão

nada recriará a viagem
senão o interior das palavras
a sua paisagem verdadeira
nada lembrará o mar senão o barco






Pedro Saborino

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Para Álvaro de Campos





porque matéria e espírito são apenas nomes confusos



dados à grande sombra que ensopa o exterior em sonho



e funde em noite e mistério o universo excessivo






Álvaro de Campos












viagem





é noite e passeio na rua o meu cão

tenho a lua e as estrelas sobre mim e, vendo-as, divago
de constelação em constelação, de galáxia em galáxia, de cúmulo em cúmulo
em cósmica viagem
vou até aos princípios que se afiguram muito para além do fim deste universo
(pressinto que sejam outros universos)
e daí ainda por distâncias que a astrofísica já não entende
talvez só o sonho dos universos apenas sonhados
ou a poesia
porque a poesia não tem regras físicas, não se submete à gravidade
nem precisa do tempo para existir

e penso: o que é a distância? que métrica me toma o olhar sobre estes astros como se fosse a geração do tempo e este por si mesmo
o espaço, deixando-me vê-los pela sua luz
que viaja até mim através do espaço sideral?
onde estou , silencioso espectador do nada?
aonde me transporta aquilo que eu não sei, ou aquilo que deixei de saber, ou aquilo que nunca virei a saber?

estou aqui, inerte, ou movo-me? quem sou eu afinal? desígnio ou matéria pensante? que do vazio irrompe
como a vida ressurge da morte
em ramos poderosos, em fontes submersas que rasgam subitamente a quietude da paisagem

quem somos nós todos, viventes, quem é o deus que nos observa
nos acolhe os temores,
as imperfeições, a ignorância, a soberba?
que pedra bruta somos até modelarmos o nosso rosto verdadeiro?


depois o meu cão alça a perna junto à árvore
e regresso à fina crosta da noite


Pedro Saborino



segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Para R.M.Rilke





poema incompleto









todas as coisas ressoam a profundidade infinita, todos os elementos se reunem com o mundo
R.M. Rilke

é necessária a poesia? é necessária e urgente a poesia?
os deuses vagueiam por dentro deste cântico funesto e o mundo celebra o efémero, sabemos tudo o que resta de nós, agora mortais,
e as vozes grandiosas já não nos comovem
como o rosto macio do jovem
ou a água vibrante na corda do vento matinal

é então necessária a poesia?
como descreveríamos a paixão das palavras, como ressurgiríamos do nada para o eterno?
como viveríamos assim, em concêntricos círculos de inquietação até ao mistério final?
como diríamos amo-te, ou desejo-te, ou tomo-te na vaga poderosa da carne, sem sucumbir?
como diríamos eu sonho, ou desvendaríamos a luz do poente?

acreditamos no poder da poesia
porque




Pedro Saborino