quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Duende


Nestas noites quentes de Verão, que apetece gozar até ao alvor da manhã, saio muitas vezes até Sevilha, deixando para trás um Algarve massificado onde muitos portugueses fingem que se divertem espojando-se na praia à torreira do sol entre um almoço de sardinha assada e um jantar de febras e vinho rasca.
A noite sevilhana tem, no Verão, um misterioso perfume de laranjeiras que suaviza o bafo mediterrânico do levante. De repente as luzes tornam-se amareladas, os jardins povoam-se de misteriosos recantos com secretos rumores, as vielas do bairro judeu enchem-se de uma multidão que transborda dos bares num vozear interminável , os pátios fecham-se em mistérios de antigas lendas mouriscas, evola-se o canto de lamentos que se perdem na memória do tempo entre batidas de palmas.
Canto que se prolonga depois pela noite em vários tablaos , alguns para turistas, mas um ou outro com programa mais profundo. Entrego-me fascinado a esta viagem que nos leva perto de alguns segredos indecifráveis. Desenham-se figuras, reinventam-se ritmos, forjam-se emoções, num inexplicável tempo que as escalas sincopadas das guitarras, as palmas, o sapateado, tornam numa vertigem . Os dançadores têm uma pose demiúrgica que recria o eterno mito da paixão mortal, um sentimento trágico da vida, eros e tanatos.
Impossível não lembrar Lorca. E esse indefinível duende.

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