segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Não me desiluda





Na verdade, que estranhas são as vielas da cidade da dor,
onde, no silêncio falso, feito de tumulto,
com violência e bravata, o vazadouro sai do molde do vazio:
o ruído dourado, o monumento que explode.


X Elegia de Duíno , R.M. Rilke



Não me desiluda dr. , dizia, as mãos contorcidas, o olhar anguloso.
Conheci aquele olhar mil vezes , reconhecê-lo-ia ainda entre mil outros, a pergunta que fica
suspensa sem resposta, parada entre o tudo e o nada.
Não me desiluda – eu sei que me pode curar. Na face, a chaga do tumor patente como uma
abominação. Várias cirurgias, radioterapia, esperanças, depois o nada. Veio procurar-me na
esperança de uma cirurgia salvadora. Sr. F. eu não posso curá-lo. Vou tentar reduzir o tumor,
vou fazer o que for possível, mas não posso curá-lo. Dr. eu sei que pode. Não me desiluda.
E segurava-me no braço enquanto, de lado, a filha dizia que sim com movimentos da cabeça.
Sr. F. a última TAC não é nada animadora. Há vários focos de tumor. Dr. o senhor vai conseguir,
eu sei que vai conseguir.
Mas eu sabia que não ia conseguir.

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