quarta-feira, 15 de abril de 2009

Soeiro Pereira Gomes ( 1909-1949)



Fecharam os telhais. Com os prenúncios de Outono, as primeiras chuvas encheram de frémitos o lodaçal negro dos esteiros , e o vento agreste abriu buracos nos trapos dos garotos, num arrepio de águas e de corpos. Também sobre os fornos e engenhos perpassou lufada desoladora, que não deixava o fumo erguer-se para o alto. Que indústria como aquela queria vento é certo; mas sol também. Vento para enxugar e sol para calcinar - sentenciavam os mestres. Mas o sol andava baixo: não calcinava o tijolo, nem as carnes juvenis da malta.

in Esteiros



do esquivo vento outonal te

passará depois o inverno e daí arrancarás as flores

que a terra húmida e premente

te abrirá nas mãos

gretadas de negras unhas e inquieta revolta

virá o sol mais tarde pela manhã

talvez pela tarde quando os teus pés se perderem em ruas de cinza

e uma luz coada breve sem nome

te afagar a cara

naquele recanto onde costumas estar

olhando o rio

à espera

Daniel de Sousa


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