terça-feira, 28 de abril de 2009

Maria Gabriela Llansol ou a reinvenção da escrita


Conheci Maria Gabriela Llansol há uns anos atrás em situação que me permitiu ir entendendendo alguns aspectos da sua complexa personalidade e especialmente o fulgor do seu génio criativo. Numa determinada fase da sua vida pessoal foi-me dado assistir de perto ao raro dom da soberana afirmação da palavra sobreposta à sua pungente fragilidade física, num desafio absoluto do espírito. Imagem que carrego na memória como um exemplo singular e que se afigura único em toda a minha experiência de vida.

Da sua escrita disse lucidamente João Barrento tratar-se de uma escrita-vida exactamente porque " nela se confundem a vida e a escrita, sem qualquer traço de confessionalismo : trata-se de um escreviver novo da parte de quem escreve e de um escreler único da parte do legente - pois ler Llansol é ler do lado da escrita e do lado da vida num processo nunca acabado (...)" .

Em Llansol a escrita redime e liberta , questiona e responde, revela o invisível que sempre esteve presente ( o olhar sobre o real desencadeia a visão do real a qual, no invisível, lhe corresponde - O Senhor de Herbais), o universo da imaginação que aglutina todos os seus livros. Enfim, uma escrita de mundos diversos, uma escrita da palavra pura e significante que acede à imagem , sem metáfora - " Escolhi o caminho de uma construção frásica que pudesse dar-me acesso ao mundo autónomo da imagem". Uma escrita que porventura reinventa a linguagem poética sem o saber.

Maria Gabriela Llansol não é, não foi , deste tempo ou deste lado do tempo. Eduardo Lourenço disse certa vez dela " Llansol será provavelmente o último grande mito literário do século XX, depois de Pessoa". Na verdade, a sua obra perdura e desafia de um modo intemporal.


27 de Setembro de 2002

Apago o desenho que já fiz - e as cadeiras estão vazias à volta da mesa. Apaguei as árvores que desenhara sobre o texto, mas elas permanecem erguidas pelas raízes nas cadeiras. O vento derrubou um copo de vidro e de papel. A brisa , agora feita vento, sopra.
(...)
Brilha, perto, aqui, sobre aqui - e sobre tudo -
a luz da vida.

Cadernos 2.63

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