sábado, 21 de março de 2009

Herberto Hélder






Herberto Hélder é talvez o maior poeta português vivo e o maior depois de Pessoa na segunda metade do século XX. Criador de uma originalíssima linguagem, que continuamente tem reescrito numa oficina que se adivinha dolorosa e sempre insatisfeita, é o paradigma do processo criador atormentado mas libertante.


Dotado de um fluxo poético torrencial , a sua poesia reinventa as palavras e a própria vida de uma forma inigualável. O seu universo imagético é fulgurante, interventivo, por vezes amargo e abrupto mas mantendo uma melodia sedutora.


Dele poderei dizer que conjuntamente com Nuno Bragança foram os dois revolucionários da literatura portuguesa nos últimos 50 anos.
Este poema é uma das mais admiráveis descrições da criação poética - e um dos meus preferidos.




Sobre um poema




Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne, sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento-
a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.




Herberto Hélder


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