quarta-feira, 18 de março de 2009

Ser ou não ser






M. senta-se na cadeira,as mãos sobre os joelhos. Unhas compridas, pontas dos indicadores amarelas. Casaco de punhos esfiados, caspa sobre a gola e várias nódoas. Uma camisa escura ,abotoada no colarinho. O hálito fétido por detrás de uma barba irregular esconde o enome tumor da boca, cuja procidência se adivinha no queixo abaulado. Os olhos prescrutam-me por detrás das lentes sujas, com cansaço e muitas dúvidas.


No processo clínico vejo que vive sozinho.O doente , nos seus setenta e muitos anos, confirma.


-Não. Não vivo com ninguém. Tenho uma filha. A minha mulher deixou-me.


-Sr.M. estivemos a ver o seu caso e achamos que não o vamos operar.


-Então o que me vão fazer?


-Não o vamos operar porque o sr. tem muitos problemas para além do seu tumor. Problemas que podem levar a um mau resultado da cirurgia.


M. levantou um pouco mais os olhos .


- Eu não me importo de morrer.


-Sr.M. a questão não é bem essa. O sr. compreende que a cirurgia é um meio de tratamento com a finalidade de melhorar alguma coisa ao doente e não de lhe causar dano irreparável.


Silêncio. Cofia a barba.


Percebo que lhe passam pela cabeça muitas perguntas.


Sem respostas.


Na mão uma receita de analgésicos, já fora de validade.


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