quinta-feira, 5 de março de 2009

O adagietto da 5ª de Mahler, a pulsão da morte e o sr. Francisco


de repente pela tarde o sr. francisco chamemos-lhe assim entrou pela porta do gabinete oscilando gravemente a cabeça não dr. não estou nada bem isto não vai bem quero morrer e a mulher olhava de soslaio e eu indicava por cortesia a cadeira sente-se sr. francisco sente-se então conte-me o que é que se passa já não quero viver estou cansado de viver não consigo suportar veja a minha boca totalmente seca está irremediavelmente seca queixas que eu já ouvira dezenas de vezes sr. francisco repare o sr. fez radioterapia a sua boca tem de estar seca não há saliva o olhar um pouco baixo eu procurava os olhos do sr. francisco para lhe mostrar que estava a seguir o seu discurso a mulher de lado ele está muito triste sr. dr. já não quer sair nem fazer nada só ouve música horas a fio ópera e mahler ah dr. mahler mahler aquele adagietto doze minutos doze minutos eu contei aquela orquestra bernstein as cordas o tremular das cordas e cantarolava eu cheguei a entoar assim mahler sim sr. francisco o génio de mahler que abarca tudo o bem e o mal a inquietação sr.francisco quando tudo acabar ainda teremos mahler os metais que tocam o infinito a vertigem a natureza ah sim mahler sr.francisco e adivinhava lágrimas nos seus olhos e a mulher abanando a cabeça o sr. dr. tocou-lhe no seu ponto sensível sr. francisco quando já nada mais existir teremos o universo de mahler oh sim adeus adeus sr. dr. eu já me despedi adeus adeus

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